EROTISMO E EPIFANIA, NUMA VISÃO LITERÁRIA E FILOSÓFICA
Erotismo
Etimologicamente
erótico provém erótikos (relativo ao amor) e deriva de Eros, o deus do amor dos gregos – Cupido entre os romanos. Mais tarde a psicanálise faz uma mudança
no termo e o coloca como um símbolo do desejo, cuja força está na libido. Ele
torna-se então o oposto de Tanatos
que é o princípio da destruição.
Se pensamos
em moldes de dicionário teremos então a conjunção entre erot(o) + ismo que logo significará uma paixão amorosa, amor
lúbrico.
Os sentidos,
porém, da palavra erótico, não terão
seu fim em finitas conclusões de dicionários. Rodeia-se ao contrário, de muitos
significados. Significados que, postos em conjunto, são perfeitamente
compreendidos e por isso se completam.
Eros é o
princípio da ação, da vida. Ele não é o princípio do prazer, mas na verdade ele
é o limite do prazer. O princípio do prazer é semelhante ao princípio da
realidade, logo o Eros é o limite dessa mesma realidade. Assim, quando juntamos
prazer e realidade, encontramos o Eros, pois chegamos ao limite do que da vida
esperamos.
Os sujeitos
da realidade se inter-relacionam com o prazer e desse mesmo prazer encontram os
seus lugares. Esses lugares são marcados pela falta, pela necessidade, pelo
desejo, pela busca, barrando assim no limite daquilo que queremos ver e viver,
nos papéis de vida, no espetáculo do desejo, no espetáculo erótico.
Na
literatura, esse espetáculo de vida, é a montagem textual, nas mais diversas
maneiras das relações. O Eros literário é o desejo de encontrar o prazer, de
saborear a realidade.
O erotismo
literário leva-nos ao prazer de saber, de compreender, de buscar o próprio
saber, de saber do prazer. Como paixão, a literatura erótica é expressão da
paixão do amor erótico, do amor que é liberação da alma. Pelo Eros da leitura
se confere um equilíbrio distinto entre “calor” e “paixão”.
No período
clássico, Sócrates e Platão conciliaram aquela tradição religiosa de uma época
recuada com as exigências da racionalidade. Um dos diálogos platônicos, neste
trabalho já citado, O Fedro, exalta
os efeitos benéficos de quatro espécies de loucura consideradas dons divinos: a
dos profetas e adivinhos; o entusiasmo, inspirado pelas musas aos poetas; a
possessão ritual dionisíaca; e o transporte amoroso, obra de Eros, do qual se
ocupou especialmente O banquete,
livro neste trabalho também já citado.
Eros trabalha
em conjunto com Afrodite; impulsivo, é tanto a fecundidade do corpo quanto a
fecundidade do espírito; atraído pela beleza, intensifica-se, expande-se para
além do objeto amado, numa ascensão aos mais altos conhecimentos e assegurando
a imortalidade. Não há filosofia sem Eros; sem Eros a razão permanece inerte. O
amor erótico incorporou ao pensamento os aspectos irracionais da conduta
humana, aliviando a carga passiva e perturbadora dos estados afetivos.
Assim, a
literatura é e será sempre necessitada de erotismo, uma vez que dela se bebe e
se sacia. A literatura é o não-individual colocado e ao mesmo tempo não-plural
que se expande no universo do autor assim como também o faz no universo do
leitor. O amor erótico apaga as diferenças, ultrapassa as barreiras da
individualidade.
Epifania
O conceito de epifania nasce ainda com a idéia religiosa da criada quando
da visita dos Reis Magos ao menino Jesus em Belém. No dia 6 de janeiro celebra-se a festa da
Epifania ou da Teofania. Originalmente, era a única festa cristã da
manifestação de Deus ao mundo na pessoa de Jesus de Nazaré. Incluía a
celebração do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a adoração dos Reis
Magos e todos os acontecimentos da infância de Jesus como a Circuncisão, a
Apresentação no Templo, assim como o seu Batismo por São João no Rio Jordão. É
quase certo que esta festa, como a Páscoa da Ressurreição e Pentecostes se
entendia como o cumprimento de uma festa judaica, neste caso, a Festa das
Luzes.
A palavra Epifanía
significa manifestação. Freqüentemente se refere a esta festa como a Teofanía,
tal como se diz nos livros litúrgicos da Igreja Ortodoxa, palavra que significa
Manifestação de Deus. A ênfase que se dá a esta festa hoje em dia está na vinda
de Jesus como o Messias de Israel e o Filho de Deus, Um da Santíssima Trindade,
junto com o Pai e o Espírito Santo.
Assim, em seu batismo por
João no Jordão, Jesus se identifica diante dos pecadores como o “Cordeiro de
Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), o “Bem-Amado” do Pai, cuja tarefa
messiânica é a de redimir os seres humanos de seus pecados. (Lc 3, 21; Mc 1,
35) É revelado como um da Santíssima Trindade de quem dá testemunho a voz do
Pai e o Espírito Santo em forma de pomba. Os hinos da festa glorificam esta
Epifania transcendental, isto é, manifestação.
De
acordo com Sá (2000, p. 168) epifania constitui, portanto, uma realidade
complexa, perceptível aos sentidos, sobretudo aos olhos (visões), ouvidos
(vozes) e até ao tato (Gn 32,24; Jo 20,22). O Antigo Testamento destaca o
ouvir, o Novo Testamento, o ver, como
nas provas da Ressurreição de Cristo
Sobre
epifania Massaud Moisés (apud
SÁ,2000, p. 165):
refere-se ao “instante existencial”, em que as personagens
clariceanas jogam seus destinos, evidenciando-se “por uma súbita revelação
interior que dura um segundo fugaz côo a iluminação instantânea de um farol nas
trevas e que, por isso mesmo, recusa ser apreendida pela palavra”.
Nádia
B. Gotlib (apud SÁ, 2000, p. 167) diz
que “para James Joyce, a epifania é uma espécie ou grau de apreensão do objeto
que poderia ser identificada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de
representação da realidade”.
Ainda
nas palavras dessa autora, “em todos os contos cujo núcleo é justamente esta
percepção reveladora de uma dada realidade, a teoria torna-se fundamental para
a sua leitura. É o caso dos contos de Clarice Lispector, por exemplo” (GOTLIB, apud SÁ, 2000, p. 168)
Em
algum momento de nossas vidas, deparamos-nos com algum fator, mesmo que este
seja externo, que nos faz ver coisas jamais vistas antes. A partir daí, é
impossível retrocedermos. O caminho está percorrido e nada mais ficou como
antes. Tudo em nossa volta muda, desde os nossos pensamentos até as nossas
atitudes e visões. Essas atitudes nos fazem diferentes, somos outra pessoa. É assim que Olga de Sá aborda em seu livro, A escritura de Clarice Lispector, a
epifania – um fator externo que nos transforma internamente.
A
epifania pode ser comparada ao estágio da maternidade. A partir do momento em
que uma mulher se torna mãe, tudo muda, nada pode voltar a ser como antes. O
caminho até aqui traçado era um, a partir de agora uma nova visão do mundo será
experimentada. Segundo Sá,
Depois tudo se dissolve sob nossos
passos. Aquele momento, porém, adquiriu um valor, uma realidade, e a
experiência torna-se fim de si mesma. É um momento de êxtase, que gostaríamos
de prender entre os dedos. Vistos sob uma luz instantânea e nova, podemos
tentar fixar tintas e cores estranhas, odores delicados ou as feições de um ser amado. (SÁ, 2000, p. 170)
De
acordo com Sá (2000), as acepções religiosa e mística do termo epifania são
importantes, porque têm reflexos no sentido literário, concretamente, no uso
que desses processos fez Clarice Lispector.
Em
1970, Massaud Moisés, sem usar o termo epifania, ligando-se, contudo, aos
pareceres críticos de Benedito Nunes (1969) e Luís Costa Lima (1966), refere-se
ao “instante existencial”, em que as personagens clariceanas jogam seus
destinos, evidenciando-se por uma súbita revelação interior que dura um segundo
fugaz, como a iluminação instantânea de um farol nas trevas e que, por isso
mesmo, recusa ser apreendida pela palavra.
Esse
“momento privilegiado” não precisa ser “excepcional” ou “chocante”: basta que
seja “revelador, definitivo, determinante”.
Atinge, assim, a escritora o cerne de todo ficcionista: o momento da
lucidez plena, em que o ser descortina a realidade íntima das coisas e de si
próprio.
As
personagens clariceanas estão mergulhadas no mundo cotidiano e, a partir da
percepção, são levadas a uma realidade outra.
Tal momento é conceituado por alguns críticos como “Momento epifânico”
da personagem.
A
narrativa, segundo Romano de Sant’Anna, seria essa constante alusão, esse
reflexo de uma verdade impossível de ser configurada, não obstante
insistentemente projetada aos olhos ávidos de uma visão epifânica. A epifania
mostra-se, então, como o momento de exceção através do qual o indivíduo tem uma
noção do que poderia ver e ter, semelhante à posição do próprio narrador diante
da coisa que narra, ou do narrador diante da linguagem.
O
termo, epifania, aplicado à literatura, significa o relato de uma experiência
que, a princípio, mostra-se simples e rotineira, mas acaba por apontar toda a
força de uma inusitada revelação. É a percepção de uma realidade atordoante,
quando os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais
cotidianas comportam iluminação súbita na consciência dos indivíduos, e a
grandiosidade do êxtase pouco tem a ver com o elemento prosaico em que se
inscreve a personagem.
Em
literatura, epifania pode ser não apenas o relato de uma experiência, mas uma
obra ou parte de uma obra em que se narra o episódio da revelação, em que a
consciência se abre para o mundo em momentos luminosos.
Professor José Fábio Marques de Santana
´Professor de Filosofia e Literatura no Colégio Compacto de Piancó
Professor de Língua Inglesa na SMEC/São Mamede - PB
Nenhum comentário:
Postar um comentário